18 de abril de 2014

Ainda não dá para dizer que novo exoplaneta é alternativa para a Terra


Ilustração mostra como seria o planeta Kepler-186f
Há quanto tempo a humanidade se pergunta se existe um planeta no Universo, tal qual a Terra, que possa quem sabe, abrigar vida? É difícil dizer. Desde que o primeiro exoplaneta foi descoberto, já são quase 20 anos. Desde que eu me perguntei isso, uns 30. Mas certamente essa é uma questão muito mais antiga.
A passagem histórica mais conhecida acerca dessa questão se deve ao frade dominicano Giordano Bruno, que nos idos de 1580, afirmava entre outras coisas que o universo seria infinito e que as estrelas do firmamento seriam na verdade outros sóis, com outras Terras ao seu redor. Por essas e outras, aliás muitas outras afirmações, Bruno bateu de frente com a igreja e acabou queimado vivo como punição. Mas naquela época, uns 30 anos antes de Galileu apontar sua luneta para os céus, essas afirmações eram tão somente retórica filosófica. Mas, podemos dizer que a humanidade está nesse dilema há pelo menos 430 anos!
Está não, estava! Nessa quinta feira, dia 17 de abril, a história foi escrita e a espera acabou.
Lembra do telescópio espacial Kepler? Aquele telescópio que, observando por meses a fio a mesma região do espaço durante anos, tinha por objetivo descobrir novos exoplanetas e que tinha pifado? Pois é, responsável por descobrir quase 3 mil candidatos a exoplanetas, dessa vez ele parece ter achado o mais importante de todos! Uma equipe internacional de astrônomos, liderada por Elisa Quintana do Instituto de Pesquisa por Inteligência Extraterrestre, o famoso SETI, anunciou a descoberta de um planeta que parece ser do tipo terrestre, bem na zona de habitabilidade da sua estrela!
Mas o que há de interessante nisso? Tudo!
A zona de habitabilidade é uma região do espaço no entorno da estrela em que a radiação incidente é suficiente para deixar a temperatura adequada para se manter a água em estado líquido. Essa zona varia muito com o tipo de estrela, pois cada tipo tem lá sua temperatura característica. Um planeta que esteja nessa zona do espaço receberá a quantidade de energia ideal para manter água entre gelo e vapor, mas não significa que ela exista nesse planeta. É preciso mais do que isso, o planeta deve ter uma composição rochosa, um tamanho semelhante ao da Terra e uma atmosfera não muito espessa, nem rarefeita.
E aí que a descoberta de Quintana e seus colegas se torna um fato histórico na astronomia, o planeta descoberto tem, ao que tudo indica, tamanho apenas 10% maior que a Terra, o que o faria ser também do tipo rochoso. Quanto à atmosfera, bem isso é outra história.
O planeta em questão foi descoberto ao redor da estrela Kepler-186 e por ser o sexto deste sistema foi batizado de Kepler-186f. A estrela onde 186f foi encontrado é uma anã vermelha, bem mais fria que o Sol, que está a uns 500 anos luz de distância na constelação do Cisne. O planeta leva 130 dias para dar uma volta ao redor da estrela, ou seja, seu ano é quase um terço do ano terrestre, recebendo o equivalente a um terço apenas da luz (e radiação) que a Terra recebe do Sol. A visão de Kepler-186, quando for meio dia em 186f não deve ser melhor, em termos de luz, do que o que nós temos aqui na Terra, uma hora antes do nosso Sol nascer.
Essa é uma descoberta histórica sem dúvida, mas é preciso cuidar com a empolgação de alguns por aí. Não se trata de uma gêmea da Terra e não se trata de um planeta com água. Todos os indícios apontam para que seja um planeta rochoso como a Terra, do tamanho similar ao da Terra, em uma região do espaço em que a radiação incidente dá condições para manter água sem congelar ou ferver. Mas para isso acontecer, é preciso mais condições favoráveis como já citei anteriormente, e a distância a estrela é somente a primeira delas. Até mesmo a questão de sua composição rochosa pode não ser verdade.
O Kepler descobre potenciais candidatos a planetas. Ele não os observa diretamente, mas sim a tênue variação de luz quando um deles passa na frente de sua estrela, num fenômeno chamado de trânsito planetário. Essa tênue variação de brilho pode ter diversas origens reais, isto é, pode vir de outras fontes, como variações de brilho da própria estrela. Depois que um candidato surge, vários testes estatísticos, várias simulações e também várias outras observações por outros métodos são necessários para confirmar um exoplaneta.
Esse foi o caso de 186f, depois de tratar os dados e chegar a possibilidade de ser um planeta rochoso na zona de habitabilidade de sua estrela, a equipe de Quintana foi até dois dos maiores telescópios em operação do mundo, o Gemini-Norte e o Keck, ambos localizados no Havaí e com 8 metros de diâmetro para obter mais dados que ajudassem na confirmação dessa hipótese. Na verdade, a tecnologia atual ainda não permite uma imagem direta do planeta, nem que sua existência, ou seu tamanho possam ser confirmados através do método da velocidade radial da estrela. 
Em vez de mostrar o que poderia causar a diminuição de brilho registrada pelo Kepler, os dados desses dois telescópios em Terra serviram para mostrar o que não estava causando esse efeito. Isso mesmo, os dados combinados foram usados para eliminar todas as possibilidades plausíveis que pudessem causar os mesmo efeitos observados e aí o que sobrou tem, segundo os autores do artigo que saiu na Science, 99,98% de chances de ser realmente um planeta rochoso, com quase o tamanho da Terra, orbitando sua estrela hospedeira dentro da zona de habilidade.
Ainda não dá para dizer que 186f é uma alternativa para a Terra, caso as coisas aqui fiquem realmente ruins. A distância de 500 anos luz, para começar, é muita coisa para nossos descendentes resolverem por décadas. Mas não é tão longe, para que uma civilização que esteja uns mil anos na nossa frente, não possa já estar há pelo menos uns 500 anos transmitindo seus programas de rádio ou TV. Você deve estar achando exagero da minha parte, só que não! O SETI está já há algum tempo monitorando a atividade de Kepler-186 em busca desses sinais.
De qualquer maneira, essa é a confirmação das ideias controversas de Giordano Bruno e a resposta para uma indagação com pelo menos 430 anos. E imagina o que vem por aí com a nova geração de telescópios que está para entrar em operação!

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