Folha de S. Paulo - Hélio Schwartsman
O
Brasil é um país estranho. Enquanto a Câmara está para votar um projeto
de lei que agrava penas para traficantes, dissemina a problemática
noção de tratamento compulsório e cria um amalucado registro de
viciados, há razoável chance de o STF decidir que o porte de drogas para
uso próprio não configura crime. Legislativo e Judiciário vivem em
planetas diferentes?
A
julgar pelo teor das discussões no Ocidente, é o Supremo que está no
astro certo. O mundo desenvolvido não está muito longe de rever o
paradigma proibicionista que vigorou nos últimos cem anos, sem muito
êxito. Há 12 anos, Portugal descriminalizou a posse de todas as drogas,
inaugurando uma política que é apontada como grande sucesso. Na mesma
linha caminham outros países europeus, como Espanha, Itália, República
Tcheca, Holanda. Na América Latina, já vão nessa trilha Argentina,
México, Costa Rica e, é claro, o Uruguai. Até nos EUA, que sempre foram o
esteio da chamada 'guerra às drogas', dois Estados acabam de legalizar o
uso recreativo da maconha.
A
pergunta, então, é: o que aconteceu com o nosso Congresso? Em certa
medida, ele reflete uma população que, no final das contas, é
conservadora. Só que a fatura retrógrada se vê multiplicada por um
sistema eleitoral que favorece candidatos ligados a igrejas e outros
grupos ideologicamente coesos (ainda que pouco representativos) e
estimula os parlamentares a jogar exclusivamente para suas torcidas,
mesmo que isso signifique descontentar maiorias.
Para
reeleger-se, o deputado não precisa patrocinar projetos que sejam bons
nem ao menos factíveis; basta que ele coloque em pauta a palavra de
ordem favorita de sua base e diga 'fiz a minha parte'.
Enquanto
perdurar essa dinâmica, que visa mais a produzir reforços positivos do
que negociações políticas, as questões polêmicas continuarão sendo
decididas pelo STF e não pelo Congresso, como seria natural.
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