1 de agosto de 2012

Faculdade Zumbi dos Palmares incentiva afrobrasileiros a estudar


       Thiago Pereira Ribeiro, 28 anos, o rapper Thig: “[Por ser universirário], eu sou referência na minha família, no meu bairro e entre outros rappers”. (Thiago Borges para Infosurhoy.com)


Em funcionamento desde 2004 em São Paulo, instituição reserva 50% das vagas a afrodescendentes, que ainda somam apenas 13% dos universitários do país.SÃO PAULO, Brasil – Enquanto a diversidade gradativamente começa a ocupar os bancos acadêmicos do país, a discussão sobre cotas raciais em universidades públicas voltou ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Os dez ministros do STF que participaram da votação sobre cotas em universidades federais em 25 e 26 de abril foram unânimes: o sistema não fere a Constituição.
Apesar da polêmica que ações afirmativas ainda geram no país, o caminho à universidade está cada vez mais acessível aos afrodescendentes.
Até 2000, apenas 2% dos universitários brasileiros eram negros, de acordo com a ONG Sociedade Afrobrasileira de Desenvolvimento Sociocultural (Afrobras), que luta pela inclusão dos negros no ensino superior.
Atualmente, o índice é de 13%, segundo o Ministério da Educação (MEC).
“A situação está um pouco diferente em função do ProUni, que possibilitou a muita gente de baixa renda estudar em universidades particulares (com a oferta de bolsas de estudos)”, diz Francisca Rodrigues, diretora de comunicação da Afrobras. “Mas a proporção ainda é bem pequena se considerarmos que 51% da população é negra ou parda.”
Programa Universidade para Todos (ProUni) do governo federal reserva bolsas a portadores de deficiência, indígenas, pardos e negros. O número de cotistas é proporcional à sua distribuição na população, com base nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Do total de 919.551 bolsas distribuídas pelo ProUni em todo o país de 2005 a 2011, 35,34% foram para estudantes autodeclarados pardos e 12,51% para os que se autodeclararam pretos.
Além disso, 51 dentre 123 instituições de ensino superior públicas adotam cotas para negros, conforme o estudo “Mapa das Ações Afirmativas no Brasil”, divulgado em 2011 pelo Instituto de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa.Em tramitação na Câmara dos Deputados, projetos lei (PL 3627, de 2004, e PL180, de 2008) querem tornar obrigatória a reserva de vagas para estudantes egressos de escolas públicas, em especial negros e indígenas, nas instituições públicas federais de educação superior. E o PL 6630/2002 determina que os repasses do Fundo de Financiamento ao estudante do Ensino Superior deem prioridade absoluta aos alunos afrodescendentes e ameríndios.
Antes mesmo que essa discussão chegasse ao Congresso, os diretores da Afrobras, que reúne intelectuais, autoridades e personalidades públicas, propuseram a criação da Faculdade Zumbi dos Palm.
A ideia foi defendida em 2000 junto ao MEC, como estratégia de inclusão dos afrodescendentes em todas as esferas da sociedade.
Em 2003, o MEC autorizou o funcionamento da faculdade, na capital paulista. Os primeiros cursos de graduação foram abertos no ano seguinte: Administração, Direito, Publicidade e Propaganda, Pedagogia e Tecnólogo em Transporte TerrestreEm 2013, ainda devem ser oferecidos os cursos de Tecnólogo em Recursos Humanos e Tecnólogo Financeiro.
Primeira faculdade idealizada por afrodescendentes na América Latina, a Zumbi dos Palmares leva o nome do principal líder negro brasileiro.
Zumbi foi um líder notório do Quilombo dos Palmares, comunidades fundadas por volta de 1580 no Nordeste do país, que reuniam escravos libertos e fugitivos. Capturado pelos colonizadores portugueses, Zumbi foi morto em 1695.
Até hoje, seu nome é sinônimo da luta pela igualdade racial no Brasil, onde a escravidão foi abolida em 1888.
Educação para todos
A Faculdade Zumbi dos Palmares pode ajudar a diminuir diferenças históricas na educação de brancos e afrodescendentes no país.
Em média, os negros brasileiros têm 6,2 anos de escolaridade, contra 7,2 anos dos brasileiros de outras raças, aponta o Observatório da População Negra, criado pela Faculdade Zumbi dos Palmares, juntamente com as Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). Entre os analfabetos brasileiros, 69% são negros.
A baixa escolaridade se reflete no salário: afrodescedentes recebem R$ 464 ao mês, em média, contra R$ 640 pagos aos demais brasileiros.
Dos 16,2 milhões de pobres do país, 11,5 milhões são pardos ou negros, segundo o Censo de 2010 do IBGE.
Acreditamos que só com educação as pessoas conseguirão galgar degraus, se inserir na sociedade e cobrar seus direitos”, diz Francisca.
Liberdade pela educação
A Faculdade Zumbi dos Palmares também foi a primeira do Brasil a seguir a Lei 10.639, de 2003, que obriga o ensino da história e cultura afrobrasileira.
Além do compromisso com a diversidade no currículo, 50% das vagas são reservadas a calouros afrodescendentes. Atualmente, 87% dos 1.800 alunos matriculados se declaram negros.
A Zumbi adotou diversas medidas pedagógicas para facilitar a graduação superior de afrobrasileiros com dificuldades financeiras e formação educacional básica deficiente:
  • Como 99% dos estudantes concluíram o ensino médio em escolas públicas, há aulas de reforço para alunos com dificuldade de aprendizagem;
  • Já que a maioria dos universitários trabalha, todas as aulas são noturnas;
  • A mensalidade custa, em média, R$ 290, por 400 horas de aula por semestre.O valor foi determinante para minha escolha”, confirma Tatiana da Silva Barros, de 25 anos, que se formou em Administração em 2011 e hoje trabalha para o departamento jurídico de um banco. “Ao nos dar essa oportunidade , a faculdade incentiva outros negros a estudar.”
    Alunos com mais dificuldades financeiras ainda podem concorrer a bolsas de estudos, que cobrem 50% ou 100% da mensalidade.
    Renato Manoel de Souza, 32, é um dos beneficiários.Estudante de Pedagogia, ele paga o curso com aulas de capoeira, que ministra três vezes por semana na faculdade.
    Primeiro integrante da família a sentar em um banco acadêmico, Souza já convenceu um primo a fazer faculdade. Agora, tenta incentivar uma irmã, um sobrinho e os vizinhos.
    Essa rede de influências positivas é comum na Zumbi: 8 em cada 10 candidatos foram influenciados por alunos matriculados.
    “Aqui eu me sinto em casa: todos vêm cansados do trabalho”, brinca Ricardo Henrique Rocha, 19, indicado por um amigo. “A metodologia (de ensino) pode ser a mesma das demais (faculdades), mas a visão da instituição se reflete na vida de todos que estudam aqui”.
    Rocha, que estuda Administração, pretende cursar Publicidade depois da primeira graduação. Concluídos os estudos, quer ingressar na política.
    Oportunidades no mercado de trabalho
    Com programas de estágio com empresas como Bradesco, Carrefour, Ford, Nestlé e Mercedes, a instituição facilita o ingresso dos alunos no mercado de trabalho.
    A maioria dos estudantes – 85% – conclui a faculdade empregados.
    “Tentamos consertar o passado, desenvolvendo pessoas no presente e dando oportunidades a elas no futuro”, garante Ulisses Mormile, professor de Sociologia e Filosofia. “Nós preparamos o aluno para a sociedade e lhes damos acesso às empresas.”
    Thiago Pereira Ribeiro, um rapper de 28 anos conhecido como Thig, cursa o segundo ano de Administração e já conseguiu estágio em um banco. Ele conta que o sucesso de amigos que se formaram na Zumbi influenciou sua escolha pela instituição, mas o senso de pertencimento foi o que mais pesou.
    “O ser humano precisa se identificar com seu meio”, diz. “Por isso, precisamos de presidentes negros, personalidades negras, apresentadores negros na TV.”
    BBC-Noticias.
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