28 de julho de 2012

Mensalão. Pressão aumenta e ministro Gilmar Mendes é acusado de receber R$ 185 mil do Valerioduto


Acusação contra Gilmar Mendes faz pressão sobre STF Foto:STF/Divulgação. Foto:STF/Divulgação
 
Conta a mitologia grega ter Zeus confeccionado e presenteado Pandora com uma ânfora (vaso). No Brasil, a ânfora virou caixa. A  Caixa de Pandora e fim de papo.  Quando da sua entrega, Pandora foi advertida por Zeus para jamais abrir a caixa, sob risco de deixar escapar o conteúdo armazenado.
 
Como Pandora havia recebido de Hermes o dom da curiosidade, desprezou a recomendação de Zeus e, ao abrir a tampa, escaparam todos os males, que se espalharam definitivamente pelo mundo. Nem a despreparada e violenta polícia militar do governador paulista Geraldo Alckmin conseguiria eliminá-los.
 
Na narrativa sobre a Caixa de Pandora existe uma crítica à curiosidade feminina. No fundo, uma repetição do mito bíblico a respeito de Eva, no Gênesis. Os atos de Eva e de Pandora tornaram os homens mortais. Mas existe uma diferença. Na primeira abertura da tampa da Caixa de Pandora permaneceu, sem tempo de sair, a esperança.
 
Na véspera do início da sessão de  julgamento do processo criminal que ficou conhecido como Mensalão tem-se a impressão que Zeus, conhecido no “bas-fond” da política partidária por Roberto Jefferson, preparou e entregou a Caixa de Pandora ao então procurador-geral Antônio Fernando de Souza, responsável pela sua ruidosa abertura.
 
Parêntese aberto. A revista CartaCapital, que acaba de chegar às bancas, mostra o Valerioduto repassando ao ministro Gilmar Mendes R$ 185 mil. Parêntese fechado.
 
Tudo isso transcorreu em clima da CPI dos Correios (2005-2006), de centenas de manifestações do relator-parlamentar Osmar Serraglio e de entrevista de Jefferson à Folha de S.Paulo. Ele — que no momento brada não aceitar condenação e acusa Joaquim Barbosa, ministro-relator do Mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), de buscar “aplauso em botequim”— confessou  ter embolsado R$ 4,5 milhões, cuja circulação não foi investigada apesar do forte odor de crime consumado e da regra antirreciclagem do “follow the money”, recomendada pela ONU.
 
 A propósito, nem o bispo Rodrigues, um dos réus do Mensalão, já expoente da Universal do Reino de Deus e acusado de receber R$ 150 mil do Valerioduto, conseguiu o milagre de travar a tampa da Caixa de Pandora tupiniquim. Ao que parece, para o bispo Rodrigues o dinheiro caiu do céu.
 
Com efeito. O procurador-geral Antônio Fernando de Souza, então chefe do Ministério Público Federal e único legitimado para propor ação penal pública diante de acusados detentores de foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal (STF), denunciou 38 réus e tipificou as condutas como crimes de formação de quadrilha, evasão de divisas, peculato, corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta.
 
 Para esse antigo procurador-geral, Antônio Fernando de Souza,  uma quadrilha comandada pelo ministro José Dirceu saqueou os cofres públicos para comprar apoio político de membros do Congresso e ofertar, por interpostas pessoas, numerário para partidos aliados saldarem dívidas de campanha política. Tudo isso, durante o primeiro mandato do presidente Lula que, segundo o delator Roberto Jefferson, nada sabia do esquema nem do núcleo central que seria formado por José Dirceu (ministro), José Genoíno (presidente do PT) e Delúbio Soares (tesoureiro do PT).
 
Com a Caixa de Pandora aberta por Souza e as suspeitas difundidas por todo o Brasil, seu sucessor, Roberto Gurgel, nos autos processuais e em alegações finais apresentadas em julho de 2011, pediu a condenação de 36 dos 38 réus e selecionou, da lista de males saídos da Caixa de Pandora, um dos piores: “A mais grave agressão aos valores democráticos”.
 
Na presente quadra, a sociedade civil conta com a esperança de o STF realizar, à luz das provas, um julgamento técnico e justo. Nada de julgamento político, como já fez ao reconhecer ter sido a Lei de Anistia recepcionada pela Constituição de 88. 
 
Durante o recesso de julho, os defensores constituídos pelos réus concluíram o périplo aos gabinetes dos supremos ministros. Isso para a entrega de memoriais, ou seja, do resumo das teses e dos pontos que serão destacados na sustentação oral, em sessão plenária. Todos os advogados-defensores colocaram-se à disposição para responderem a eventuais perguntas dos ministros. Essa tradicional visita, ressalte-se, não dura mais do que 15 minutos e raramente os ministros pedem esclarecimentos.
 
A meta, com a entrega dos memoriais, é não surpreender na sessão julgamento. Verbalmente, algumas colocações foram feitas a ministros mais liberais e preocupados não só com o julgamento, mas com a imagem da Corte. Por exemplo, como frisado em coluna anterior intitulada Supremos Momentos (CartaCapital, edição 705), existe o desconcerto derivado da programada  antecipação do voto do ministro Cezar Peluso que, por se aposentar em 3 de setembro, dificilmente estará presente no final do julgamento, ocasião que cabe retratação, a mudança do voto.
 
Mais ainda, a aproximação do dia 2 agosto, data marcada para o início da sessão de julgamento, não serviu para espantar algumas dúvidas e as expectativas aumentaram. O reservado Peluso não diz se vai se aposentar antes do início do julgamento. Com a credibilidade abalada por ter engavetado ilegalmente os autos do inquérito iniciado com a Operação Vegas, o procurador Gurgel apenas lançou balões de ensaio sobre a apresentação de exceção de suspeição do ministro Toffoli. E ainda sobre falta de imparcialidade e apresentações de exceções, os defensores se trancam em copas sobre Gilmar Mendes. Eles apenas lembram ter Mendes, no caso do Mensalão tucano, votado pela rejeição da denúncia contra o senador  Eduardo Azeredo.
 
A questão da incompetência do STF com relação aos réus que não detêm foro privilegiado será novamente agitada pelos defensores. A chance de pegar essa arguição é mínima, pois, a “vis atrativa” existe para evitar, com os desmembramentos dos processos, decisões contraditórias entre variados órgão judiciários. No particular, o STF vem entendendo ser caso de um único e simultâneo processo englobando réus que não gozam dessa excrescência chamada foro privilegiado.
 
Nesta semana de apreensões não faltou uma inconveniência que desagradou os ministros do STF. Ela ficou por conta de Eliana Calmon, que pertence a outro e inferior tribunal, o Superior Tribunal de Justiça. Para Calmon, referentemente ao Mensalão, os ministros do STF serão julgados pela população.
 
Calmon perdeu ótima oportunidade para silenciar. Afinal, o que está em jogo e interessa à sociedade civil é a atuação do procurador-geral da República, que representa os cidadãos e é fiscal do cumprimento das leis (custos legis). O que está em jogo é a procedência ou improcedência da acusação (pretensão punitiva contida na denúncia) apresentada pela procuradoria-geral da República. Em outras palavras, se a Procuradoria-Geral da República acertou ou errou. E se forçou a mão ao considerar crime comum aquilo que, segundo os defensores, não passou de Caixa 2, de crime eleitoral e já prescrito. 
 
No processo criminal e em ação pública, como até os rábulas de porta de cadeia sabem, o ônus da prova é sempre da acusação. Competirá a Roberto Gurgel, como procurador-geral,  provar a procedência da pretensão de condenar e punir. Salvo com relação a Luiz Gushiken e Antonio Lamas, poupados por Gurgel diante da falta de provas.
 
Convém recordar que, em 1994 e no STF, o procurador-geral, Aristides Junqueira, não conseguiu comprovar minimamente a acusação contra Collor de Mello, de autoria de crime de corrupção passiva. E o clima, à época, era bem semelhante ao de hoje, véspera do julgamento do Mensalão.
 
Os ministros do STF devem analisar as provas e realizar a valoração. Por evidente, não podem condenar por mera presunção. No particular, o réu José Dirceu aposta todas as fichas de que o STF, pela falta de prova e acusação estribada em mera presunção, será absolvido.
 
Até o trololó promocional de Serraglio é frágil, em termos de credibilidade de provas. Segundo Serraglio: 1) “Nada ocorria sem o beneplácito de Dirceu”; 2) Jefferson confessou e o acusou; 3) Valério afirmou “ter ouvido” de Delúbio que Dirceu dera aval; 4) a mulher de Valério disse saber de reunião de Dirceu com o presidente do Banco Rural; 5) a secretária de Valério afirmou que este mantinha contatos diretos com Dirceu. 
 
Pano rápido. Ao contrário do afirmado pela ministra Calmon, o procurador-geral Gurgel é quem será julgado pela sociedade civil. De olho em Gurgel, estarão todos. Afinal, a Caixa de Pandora foi aberta pela Procuradoria e do seu conteúdo ficou, para o STF, a esperança de não deixar impunes os crimes e de não punir inocentes.

 
 

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